Eu que nunca conheci os homens”, escrito por Jacqueline Harpman, autora belga, publicado pela editora Dublinense, é um livro intrigante, distópico com um desfecho inesperado.

Narrado em primeira pessoa, por Pequena, nome dado a ela, desde seu nascimento, é a única pessoa em uma jaula onde 40 mulheres são mantidas aprisionadas sem explicação alguma. Simplesmente despertaram numa prisão de ferro com paredes de aço.

Por não conhecer a vida antes da prisão, Pequena acredita que a vida de todos é idêntica à dela: manter-se presa sem contato físico, carinho ou alguma referência de afeto.

Privadas de contato com o mundo exterior e ainda mais, impedidas de se tocarem, vivem como se o destino determinasse viver somente naquele lugar para sempre. Sem questionar.

E assim sendo, enquanto as outras 39 mulheres sofrem de saudade e se distraem com as memórias de suas vidas, a inocente Pequena se permite viver em uma alegoria que altera todo o rumo do livro. Um grande acontecimento ocorreu.

“O vigia largou seu molho de chaves, abandonado na fechadura, e se virou para os outros. Eles se entreolharam por um instante e então num mesmo movimento, tomaram fôlego e correram em direção à porta principal, empurraram as folhas duplas, as deixando completamente abertas, coisa que nunca tinha acontecido, e saíram.”

Tudo o que foi idealizado para Pequena, neste momento em que saiu da jaula e conheceu o céu azul, as árvores, areia, flores, frutas, tudo que jamais vira, agora estava ao seu alcance. Seu mundo como conhecia foi desconstruído.

Em suma, os passos adiante desafiam nossa mente e o que é um tanto quanto disruptivo quanto o que se espera de uma narrativa fluida e concebida a partir de uma crença. É incrível!

A cada página, é possível sentir a latência na vida de Pequena. A cada descoberta, seja ela prazerosa, alegre ou que lhe traga tristeza, torna-se uma aventura para ela e ainda mais para o leitor. Um deleite.

“De repente, me vi lá em cima. Eu estava naquilo que nós, mais tarde, chamamos de guarita: três paredes e uma porta, também aberta, a planície diante dos meus olhos. Eu pulei, eu olhei. Era o mundo.”

Entretanto, além da literatura, a obra tem como intuito, questionar as relações sociais e a visão de quem é levado a uma nova condição de vida, semelhante ao holocausto, que sem nenhuma justificativa privou milhões de judeus de sua dignidade e os dizimou pelo simples fato de acreditarem em uma crença, sua fé.

“Tive a impressão de que havia mulheres por toda parte, atravessadas sobre os colchões, jogadas uma sobre as outras, agarradas nas grades, amontoadas, espalhadas numa desordem assustadora. Algumas estavam nuas, outras com vestidos em farrapos, todas estavam em poses terríveis, atormentadas, as bocas e o olhos abertos, os punhos cerrados como se tivessem lutado e matado uma as outras no delírio do qual a morte as libertara.”

Eu que nunca conheci os homens”, é uma obra que vai além da perspectiva de uma obra linear, bela. Apresenta a dor da solidão, a sutileza da inocência, a beleza da alegria. Intriga ao ler desde o início e o faz não querer fechar o livro após o desfecho.

Altamente recomendado.

“Eu que nunca conheci os homens”, está disponível na Amazon e nas principais livrarias e e-commerces do país.

Eu que nunca conheci os homens

Quarenta mulheres estão presas em uma jaula coletiva em um porão, sob a vigilância de guardas que permanecem sempre em silêncio.

Um dia, misteriosamente, uma sirene soa, os guardas fogem e as grades se abrem. Entre as prisioneiras, está uma menina sem nome que só conhece a vida lá fora através de lembranças que as outras mulheres aceitam compartilhar. É ela que conduz as demais prisioneiras em fuga, apenas para encontrarem um lugar inóspito e desconhecido.

Agora, contando apenas umas com as outras, elas terão que reaprender a viver e enfrentar outro desafio: a liberdade absoluta.

Reflexões sobre a constituição da identidade, do tempo, do que nos faz humanos, do que nos ajuda a sobreviver, do afeto, sentimentos, relações e a morte são trabalhados durante todo o livro com a estranheza de quem se permite olhar tudo pela primeira vez, eliminando excessos e superficialidades e buscando respostas que possam ser úteis para Pequena, a personagem central desta obra.

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