Entre o céu e o sal”, de Everton Behenck, publicado pela Editora Nacional, reúne elementos de um futuro próximo, metaverso e crenças banais em uma escrita fluida, dinâmica e intrigante. Uma obra-prima para a literatura nacional.

Utilizando de uma narrativa contemporânea onde o autor utiliza a narrativa contida no parágrafo, onde o diálogo se mescla junto com o narrador, a obra entrega além do que pretendia. Um primor!

Em um universo distópico, não tão distante de nossa realidade, Zias, que vive em Portugal, se vê incumbido a retornar ao Brasil, no Rio de Janeiro, para continuar o legado do pai, morto a pouco, época em que comandava uma instituição religiosa.

Nesta trama eloquente, Everton Behenck, nos leva a um Rio de Janeiro onde a elite já não vive mais na cidade cercada por grandes palacetes, mas sim, no morro, onde a comunidade vivia concentrada em casebres.

O motivo? Com a crise climática e o derretimento das calotas polares, o nível do mar subiu e invadiu todas as propriedades próximas às praias, ao centro e toda sorte de viva que mantinha a vida estável.

O que muda nas vidas das pessoas que ali vivem, são as atividades, um tanto quanto intrigante, por conta do fanatismo à religião, que por sinal, é o pano de fundo do livro, atrelado à milícia do Rio de Janeiro e a política para crescer no governo por conta de benefícios, utilizando a igreja como meio de escalonar e chegar onde quiser.

Qualquer semelhança com o governo Bolsonaro, é mera semelhança.

“Como nós fomos virar esse bando de animais? Nós somos pessoas horríveis. Frias, isoladas, rancorosas. Olhem para essas igrejas. Olhem os espetáculos bizarros destes exorcismos cada vez mais patéticos. Olhem para esses pastores que ganham as eleições. Como pode, todos os candidatos serem pastores e nenhum homem ser homem de Deus? Todos eles!”

Além da narrativa envolvente, Everton, questiona o poder das pessoas a fazerem o que faz para conquistar a atenção de seguidores, fieis que vão onde os líderes dizem para ir, tal como gados que seguem um único líder sem questionar. Apenas seguem.

“Quando um miliciano da fé mata outro miliciano da fé, a mão que está agindo é sempre a de Satanás. Mas às vezes, as obras de Deus e do Diabo ficam assim. Parede com parede. Não gosto de matar, Mato, mas não gosto. Deus não gosta de matar. Mata, mas não gosta.”

Algumas frases contidas no livro, são genuinamente maravilhosas, por conter elementos que se assemelham às críticas do governo Bolsonaro. Impossível não se identificar às falácias do bolsonarismo:

“A gente queria liberdade dos companheiros e acabar com a palhaçada da urna eletrônica sem confirmação. A gente queria voto digital auditável.”

E tal como a realidade, na literatura de Behenck, aquele que não cumprir a ordem dos milicianos acabam de uma forma deplorável. Morto de uma forma brutal, angustiante, tal como Misael, um informante que, assim como um deles, milicianos, se viu perdido e acabou mal. Preso no poste, no meio da multidão. No palco para todos ver, inclusive sua mãe que o viu chorar ao ser morto na sua frente. De ponta cabeça:

“Amanhã é o primeiro dia da nossa história. Um grande futuro nos espera! Grandes planos nos esperam! Um futuro como vocês nunca sonhara! Aleluia, irmãos! A maioria do povo aplaudiu com força e fé renovadas. Outros disfarçavam o medo, pelas relações que tinham com a antiga administração. Misael ficou lá, amarrado, os olhos tentando sair das órbitas, a espuma azul colorindo o canto da boca, o coração explodindo em um ataque cardíaco fulminante.”

Entre o céu e o sal”, é um livro denso, intrigante, pesado, porém, necessário para a literatura brasileira. Everton Behenck e a Editora Nacional fizeram um trabalho impecável em trazer uma obra de tamanha importância que certamente pensarão em idolatrar quem está no poder, ou a frente de uma instituição religiosa. Um verdadeiro tapa na cara da sociedade hipócrita.

Vale muito a leitura! Altamente recomendado!

Entre o céu e o sal”, está disponível na Amazon e nas principais livrarias e e-commerces do país.

Entre o céu e o sal

O nível do mar subiu, alagando a Zona Sul do Rio. A elite expulsou os moradores dos morros para dar lugar aos novos bairros. Aos mais pobres, restou invadir os prédios alagados, criando ali as novas favelas.

Neste Brasil, Zias vai encontrar seu destino.

Criado no exílio pela mãe, ele acaba órfão, vivendo nas ruas de Lisboa em meio ao crime, às drogas e ao vício digital. Um dia, ele recebe a revelação de que seu pai estaria vivo e somente o filho poderia salvá-lo. Zias parte para o Rio e se descobre escolhido para assumir a igreja evangélica liderada por seu pai.

Durante a jornada de Zias para cumprir a profecia paterna, vemos um Rio onde a Milícia convertida foi legalizada, uma nova droga assola as igrejas e onde trabalhadores de aplicativo fazem qualquer coisa por alguns trocados.

Um Brasil em que Estado e religião se fundiram sob a bênção da democracia em um cenário incomodamente real. Em seu romance de estreia, Everton Behenck nos leva a questionar quão distante estamos da realidade desta ficção especulativa.

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Fundador do Portal Irmãos Livreiros

Escritor, editor, jornalista, comunicólogo e bookaholic assumido, criou do portal Irmãos Livreiros onde mantém atualizado com as novidades do mercado editorial.

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