Alberto Manguel: uma vida imaginária é uma meditação sobre exílio, tempo, fragilidade humana e o poder da imaginação.

Alberto Manguel: uma vida imaginária, publicado pelas Edições Sesc, é um retrato íntimo e profundo do aclamado escritor, bibliófilo e intelectual Alberto Manguel, construído a partir de breves entrevistas com a jornalista suíça Sieglinde Geisel. A obra transcende a simples biografia, transformando-se em uma meditação sobre a vida, a leitura e a memória, especialmente em um período marcado pela incerteza e pelos temores exacerbados pela pandemia.

À primeira vista, o título do livro é mais que uma metáfora; a vida imaginária é a própria condição da existência para Manguel, que encontra nos livros não um refúgio, mas uma forma essencial de realidade. Para ele, cada leitura é uma tentativa de autodefinição, um gesto de reconhecimento de si diante do outro. Ler, nesse contexto, não é consumo cultural ou acúmulo de títulos, mas uma maneira fundamental de existir.

Nesse sentido, ao longo do diálogo, Alberto Manguel compartilha experiências pessoais de infância e juventude na Argentina, suas relações familiares e sua ampla vivência em países estrangeiros, que o forjaram como um ser cosmopolita. Essas histórias são acompanhadas por reflexões maduras sobre livros, linguagem, exílio, a política da memória, o papel das bibliotecas públicas e o perigo sempre presente da censura.

Inegavelmente, uma das reflexões mais incisivas de Manguel reside na distinção entre a arte e o artista. Ele comenta com paixão sobre a natureza autônoma da literatura, desvinculando-a de intenções utilitárias ou morais:

“Literatura não é criada para que seja terapêutica, e também não é criada para ser uma mensagem política, uma carta de amor ou algo do tipo. Essas coisas são qualidades aleatórias. Em sua melhor expressão, a literatura é construída de acordo com suas próprias leis secretas.”

Alberto Manguel complementa essa ideia, estabelecendo uma clara separação entre a qualidade da obra e a conduta de seu criador, citando exemplos de figuras históricas controversas:

“O ser humano e o artista que cria não pertencem ao mesmo universo. Eles calham de coincidir em um mesmo corpo, mas não são a mesma coisa. Shakespeare foi um cobrador de impostos terrível no fim da vida. Dante era arrogante e orgulho-so. Caravaggio matou uma pessoa. Cervantes foi acusado de prostituir as irmãs. Jünger esteve no Exército de Hitler. E Louis-Ferdinand Céline, o maior romancista do século XX, escreveu panfletos fascistas e antissemitas. Mas esses panfletos não são boa literatura.”

Em todos os casos, a chave de leitura defendida por Manguel permanece a mesma: os livros como espaço de resistência e liberdade.

Alberto Manguel: uma vida imaginária

Sieglinde Geisel conduz a conversa com rigor e leveza, transformando o encontro em um diálogo vivo, onde as perguntas abrem caminhos inesperados. Sua capacidade de ouvir permite que Manguel se revele com espontaneidade, falando de amores, amizades, viagens e perdas. O resultado é um retrato multifacetado, que reconhece não apenas o intelectual consagrado, mas também o homem atravessado pela experiência comum da fragilidade.

Gostei deste livro porque ele oferece uma porta de entrada para a mente de um dos maiores leitores e pensadores da atualidade. A forma como Manguel eleva a leitura a um ato de cidadania e resistência, e sua insistência na autonomia da literatura, ressoam profundamente. É um livro que inspira a ler com mais profundidade e a viver com mais consciência.

Vale a pena ler Alberto Manguel: uma vida imaginária porque é um convite a dialogar com um mestre, recebendo não apenas a história de sua vida, mas sua filosofia sobre o poder transformador da leitura. Publicado pela Edições Sesc, o livro se revela um farol de lucidez em tempos de incerteza, reafirmando os livros como o nosso mais duradouro espaço de liberdade.

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Alberto Manguel: uma vida imaginária, está disponível na Amazon e nas principais livrarias do país.

Alberto Manguel: uma vida imaginária

Neste conjunto de breves entrevistas dadas à jornalista suíça Sieglinde Geisel, o escritor Alberto Manguel relata experiências pessoais de infância e juventude, além das relações familiares que o forjaram como ser cosmopolita, seja por seu reconhecido amor aos livros e à leitura, seja por sua ampla vivência em países estrangeiros à sua Argentina natal e ao Canadá, de onde se tornou cidadão.

Essas histórias são acompanhadas por reflexões sobre livros, linguagem, memórias e afetos em um período tingido por incertezas e temores, exacerbados pela pandemia da covid-19.

Alberto Manguel, escritor, tradutor e ensaísta argentino, explica como funciona o poder transformador da literatura.

Segundo Manguel, não é possível afirmar que um determinado livro seja universalmente transformador, pois o que realmente transforma é uma relação íntima estabelecida entre texto e experiência pessoal do leitor. Conferencista do Fronteiras do Pensamento 2014.

Assista no canal Fronteiras do Pensamento, no YouTube:

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